Quanto
tempo dura o amor?
Sessenta e cinco anos, isso mesmo, sessenta e cinco anos
depois, João entra na igreja e espera pela mulher
de sua
vida. É hoje o dia da realização de seu
maior sonho, sonho
que agora passa em sua cabeça como um filme, um filme que
começa em preto e branco há sessenta e cinco anos
atrás.
Numa tarde ensolarada de Domingo, João, aos 14 anos
de
idade saiu de casa para dar um passeio pela praça
de sua
cidade, típico passeio daquela juventude de 1935, cidade
pequena do interior, onde de um lado ficavam as meninas
e de outro os meninos, tempos em que um
olhar valia uma
promessa, e foi nessa tarde, nesse domingo ensolarado
que
João cruzou os olhos com a Socorro, uma moreninha de
cabelos compridos e brilhantes, corpo franzino metido
em
um vestido de algodão muito simples, mas que marcava-lhe
a cintura fina de maneira tão graciosa que João
ficou
alguns minutos fora do ar, parado sem conseguir se
mover.
João queria saber tudo sobre aquela linda menina,
mas,
eram tempos onde até as informações eram mais difíceis,
e foi nos diversos domingos que voltou a praça
que
descobriu o nome dela, a idade, onde morava, tudo graças
ao monte de balas que ele dava ao irmãozinho
dela, que
através desse suborno, contava tudo sobre a irmã.
Somente dois meses depois é que ele
conseguiu se
aproximar daquela menina que já tomava
conta do seu
coração, e foi somente para falar um oi, um boa
tarde e
ver a menina ficar toda corada. A cada domingo, eles se
entendiam mais com os olhares que se
procuravam ansiosos,
mal se falavam, mas a emoção que
ambos sentiam era visível
aos olhares mais atentos. Um dia, ele tomou coragem
e se
aproximando dela, disse em voz tremulante:
"eu gosto de você, eu quero casar com você! "
e, saiu correndo desesperado, com o coração na mão
e uma
impressão de que aquela cena era a cena de
sua vida...
Naquela mesma semana, antes mesmo de saber a reação
de
sua amada, os pais de João morrem misteriosamente,
fato
que ele presenciou ao estranhar que os pais não
acordaram
cedo como costume, as nove horas da manhã ele toma
coragem,
abre a porta do quarto e tenta chamar os pais, chamou,
gritou,
chorou e desesperado correu até a vizinha que
descobriu que
ambos estavam mortos. Foi uma semana difícil,
mais difícil
ainda foi a mudança obrigatória para a casa de uma tia
em
São Paulo, mais de 600 quilômetros de distância
de sua
amada. Sua vida nunca mais foi a mesma, o trauma dos
pais
mortos, a lembrança de sua Socorro, a incerteza do
futuro,
tudo isso fez dele um jovem quieto, assustado e com o
olhar
triste que nunca mais o abandonou. Sua tia era muito
amorosa, conseguiu escola e trabalho para ele, aos 18 anos
casou-se com uma amiga de trabalho, moça bonita e
trabalhadora, que junto com ele construiu uma família
com
muita dificuldade e luta. Foram 50 anos de
um casamento
repleto de respeito e carinho, 4 filhos, 10 netos e 2 bisnetos,
aos 68 anos, João ficou viúvo, e quase não
resistiu a essa
segunda perda, ficou amargurado por semanas, nem os
netos que eram a sua grande alegria, conseguiam
trazer
lhe ânimo para a sua vida. Os filhos preocupados com
seu pai, procuraram ajuda e descobriram um grupo de
terceira idade que se reunia ali bem próximo. Com muita
luta e esforço os filhos conseguiram convencer João
a
pelo menos ir conhecer o grupo, que ele resmungão e
sem vontade de sair de casa, chamou de "grupo de
múmias
e velharias". Ele estava irritado naquela
manhã em que se
comprometeu em ir ao Grupo de Terceira Idade Sonho
Meu,
um dos filhos já estava na porta de sua casa
esperando-o
para
levá-lo até lá, isso já o deixou mais nervoso,
parece
que eles estavam desconfiados dele, parece que eles não
acreditavam que ele iria cumprir com sua promessa de
ir
conhecer o grupo (e ele não iria mesmo, se dependesse
dele).
Vestiu-se com bom gosto, penteou os cabelos e pelo sim,
pelo
não usou aquela colônia que a esposa havia dado há
alguns
anos atrás. Durante o trajeto com seu filho, João
não abriu
a boca, entrou mudo e saiu calado do carro. Ao
chegar a
porta do Grupo, João foi entrando pelo portão aberto e
ao
chegar no salão fracamente iluminado pela luz solar
teve
dificuldades de acostumar a vista ao ambiente.
Quando
piscou duas vezes pode perceber umas quarenta
pessoas sentadas em círculo e uma senhora muito
sorridente
se aproximou e lhe deu boas vindas,
indicando-lhe uma cadeira
para que se sentasse. Um pouco assustado ainda, ele
começou
a olhar para aquelas pessoas e quase seu
coração sai pela
boca ao olhar para uma senhora franzina a sua frente, ela
sentiu o seu olhar e pareceu tão assustada quanto ele,
seus
olhos se cruzaram e pareciam não acreditar no que
viam.
Era a Socorro, sim, ele tinha certeza, era a sua Socorro,
a menina morena de cabelos compridos, aquela que um
dia
ele disse que gostava, aquela que a vida havia separado, a
mesma vida os reaproximava mais de sessenta anos
depois.
Sem conseguir falar, João foi tomado de uma grande
emoção,
e pela primeira vêz na sua vida, João chorou.
Chorou como uma criança, um pranto que estava guardado
há mais de sessenta anos. João chorou a morte dos pais,
a
separação de sua amada, a morte de sua tia, a morte
de
sua esposa, chorou, chorou, até secarem as lágrimas.
Hoje
é um dia feliz, João vai se casar com a Socorro.
Mais
de sessenta anos depois, após cumprirem com seus
compromissos de vida, ambos viúvos e realizados, casam-se
neste dia, na presença dos filhos, dos netos,
bisnetos e dos
anjos que finalmente colocaram um final
feliz na vida de
João e Socorro. O amor é uma porta que permanece
aberta pelos anos, um dia alguém vai entrar por
ela em sua vida e nunca, nunca mais vai sair.
(...)