O Ex-Suicida


André, um jovem da sociedade carioca acostumado a ter todas
as comodidades sociais e as facilidades materiais que os seus
pais  promoviam, 
resolve por insatisfaçao psíquica suicidar-se.

Ao invés dos outros que já se suicidaram inconscientes por
intermédio dos 
carros e motocas, ele estava consciente da
despedida  que iria fazer. Mas
antes de tudo faria uma
última visita ao Frei  Fabiano de Cristo, no 
Convento
de Santo Antônio, no Rio de Janeiro.

- Frei Fabiano! - prorrompe André, com lágrima nos olhos
e abraçando-o 
ternamente. - Vim despedir-me! Nao poderia
partir sem o abraçar pela  
última vez.Sabe que devo ao senhor
a saúde, o entendimento e todas as 
orientaçoes que meus pais
e a sociedade nao me deram.

Fabiano sente algo mais naquele abraço. Era como que a sensaçao
de dor 
indefinível, dessas que nascem da alma e pergunta:
- Vai viajar?

- Sim! Será uma viagem sem retorno.
Nao mais virei a esta região onde fui 
feliz, mas onde sofro
agora  uma dor sem remédio.

- E viaja por ser infeliz?

- O que me resta aqui, Frei Fabiano?
Minha namorada largou-me por outro 
e acostumado estou
a receber tudo e a não perder nada. Além do mais não 
mais
aguento as chacotas  dos amigos chamando-me de rei do gado.

Eu perdi meus amigos, se é que já não os tinha.
Nem meus pais me 
compreendem. Só resta você.
Além do seu coraçao paternal, nenhum 
outro encontrei que me
desse compreensao. Partirei portanto cansado e 
desiludido
e nao mais farei alguém infeliz.

- Mas... você se despede para sempre?

- Para sempre! Tomarei novos rumos...

- Há caminhos, meu filho, que são desvios traiçoeiros que nos
conduzem a 
sofrimentos maiores.
Se ainda pesa aqui, qual será o peso dessa vida 
amanha?

- De tudo me livrarei!

- Também pensei livrar-me, um dia, de muitas coisas.
Descobri que 
ninguém se livra de si mesmo, salvo quando se
esquece de si, para viver 
pelos outros.
Há partidas que nos levam para o bem, fazendo desabrochar
 
virtudes adormecidas em nossos coraçoes e há aquelas
que nos arrojam a 
despenhadeiros insondáveis.

- Partirei para onde não haja mais amarguras da Vida.

- Você quer anular-se para esquecer?

- Creio que sim, respondeu André.

- Antes de partir, ajuda-me no conforto a um velhinho cego da
enfermaria. 
Faltam-me forças hoje. Levará assim uma lembrança
inesquecível que 
talvez o faça recordar da nossa amizade.

Como o jovem relutasse, Fabiano tomou-o pelo braço
e quase o arrastou 
para a enfermaria.
Os dois ficaram diante do modesto leito e o frei falou:.
-
Juvenal, acorde, trouxe-lhe uma palavra de conforto.

- Oh! Meu doce paizinho. Volta a ver-me!

- Como está agora meu bom Juvenal?

- Mais sereno, pai Fabiano! Nesta interminável noite de minha
cegueira,
somente agora comecei a ver o sentido da vida.
Tenho revisado cada um 
de meus dias rogando a Jesus a
oportunidade de reparar todos os males 
que pratiquei.

- Quer viver muito, Juvenal?

- Oh! Sim! Preciso viver muito, se Deus o permitir.
Os pecados de minha 
indiferença por todos, deixaram-me
em solidao completa e imensa 
amargura.

O velho chorava agora, através de seus olhos cegos.
- Eu queria abraçar meu filho que, diante dos meus destemperos
 e dos 
maus-tratos, abandonou esta vida pela porta do suicídio.
Até ontem, 
julgava que esse meu pecado nao teria perdao.
Esta noite meu filho 
visitou-me em sonho.
Pude vê-lo e conversei com ele um bom tempo.
Ele me 
perdoou e contou-me da sua dor espiritual,
porque a vida continua no Além.

André estremeceu ao ouvir Juvenal dizer estas palavras:
- Ele nao sabia, Frei Fabiano, que embora bruto e grosseiro como 
sempre fui, eu o amava ... e por temor de perdê-lo,tornei-me
agressivo, 
aparentando indiferança.

Frei Fabiano, muito esperto e percebendo a atençao de André
nas sábias 
palavras de Juvenal, diz:
- Deixo-os agora.

André o ajudará a alimentar-se.

Ele também veio despedir-se para buscar regiões
ignoradas do coração.

Duas horas mais tarde, André saiu da enfermaria com outra
fisionomia e 
dirigindo-se a Frei Fabiano, lhe diz: - Até amanhã!

- Não parte mais, meu filho?
-Não. O Além talvez não seja a região ideal para fugir da vida.
Pois atrás ficam 
os que choram profundamente.
Além disso amanhã tenho um encontro com 
um pai que não tem
filho e que precisa de alguém para guiá-lo na cegueira 
em que
aprendeu a ver... e me fez luz.

- Muito bom, caro André.
O suicídio nao é uma porta de chegada. 
travessia é uma grande tormenta.
É o princípio de todas as dores e 
tormentos infindos,
porque a vida é eterna para nós.

Afinal, há sempre os que nos amam, cada um a seu jeito,
e é preciso entender a linguagem do amor.

(...)

 

Voltar

 

Clique aqui para enviar esta página para seu amigo(a)