Todos os dias
somos desafiados a exercitar este nobre e difícil sentimento que é o perdão. Não
poderíamos afirmar que o desafio nasce por causa dos outros, daqueles que nos
causam problemas. É necessário sempre nos colocarmos como participantes da trama
ou do drama, não como simples vítimas, como sempre acontece.
Na verdade,
os problemas com que nos defrontamos todos os dias, poderiam, pelo menos em
grande parte, não existir se fôssemos mais sensatos, lúcidos ou prudentes. A
verdade é que somos um tanto impulsivos, arrebatados e pouco racionais em nossas
ações. Depois quando nos acontece algo, fruto direto das nossa inconseqüências,
procuramos de imediato um culpado. O outro, é óbvio. E, comodamente, nos
colocamos no papel de vítimas. O outro é cruel, desumano, calculista. Nesses
momentos esquecemos completamente de como tudo começou. Procuramos esquecer a
nossa participação nos fatos. Bem, se algo acontece nessas circunstâncias,
perdoar o outro é mero dever, uma simples obrigação, já que somos também
culpados, pois causamos originariamente o problema... É claro que há
circunstâncias em que somos mesmo as vítimas e não participamos de forma alguma
do início da trama.
Aqui é que começa o verdadeiro exercício do perdão,
que é um sentimento desafiador, próprio das pessoas que já conquistaram alguma
força moral. Os fracos procuram vingar-se por qualquer motivo. Os fortes se
posicionam acima das circunstâncias e das pessoas e deixam passar. No filme "A
Lista de Schindler", há um trecho de grande beleza sobre o tema. O trecho é
aquele em que o protagonista tenta convencer o sanguinário oficial nazista a
perdoar as suas tantas e inocentes vítimas. Lembra ao mesmo que, quando um pobre
condenado era conduzido à presença de um imperador romano, ele tinha noção de
que estava irremediavelmente condenado. No entanto, num ato de derradeira
esperança, ele se jogava ao chão e pedia clemência. O imperador, então, num
gestão de grandeza lhe poupava a vida. O oficial tentou exercitar este
perdão, com toda pompa, à maneira de um imperador, porém não tinha grandeza
moral para tanto.
Da mesma forma, pode ser que a nossa força moral não
esteja à altura da grandeza do gesto, da ação de perdoar. Como tudo na vida,
perdoar também se aprende exercitando-se. Sem exercícios não se aprende
verdadeiramente nenhuma lição. As possibilidades de exercício deste sentimento
são infinitas, pois a cada hora somos testados, postos a prova. Os desafios ao
perdão surgirão de todos os lados. Tentarão nos aborrecer, nos enganar, nos
passar a perna nos negócios, nos roubar a paciência, o tempo (tão escassos!),
etc. Sem contar com aquelas pessoas que nos tem como inimigos gratuitamente, sem
que lhes façamos nada... Se estivermos, no entanto, inclinados à desforra ou a
vingança, sempre será tempo de lembrar de uma frase atribuída a Sidarta Gautama,
o Buda: "Sê como o sândalo que perfuma o machado que o
fere".
Abel Sidney
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