- Vó?
- Oi?
- Ontem eu vi de novo aquele filme que você gosta.
-
Qual, minha querida?
- Aquele daquele homem que é meio
bobo e fica contando
- Ah, sei ... Forrest
Gump...
- Isso.
- E você gostou do filme?
- Gostei, mas não entendi uma
coisa...
- O que?
- Quando começa o filme, tem uma pena voando,
Ele guarda "ela"no livro e começa a contar
a história
- Exato.
-
Então, no final, ele abre o livro e ela sai voando outra vez.
Para que serve
essa pena, heim, Vovó?
- Bem, pituquinha, ele explica isso no final.
- Acho que não.
- Forrest Gump não é uma pessoa igual
às outras:
Não fale que ele é meio bobo que isso é muito feio.
Ele tem uma inteligência de uma criança de cinco
anos,
Ë um homem grande com a cabeça de uma
criança,
- Tá.
- Você quer saber por que a pena começa o
filme voando
- Isso.
- Então..., no final do filme, ele conta que na sua vida houve
duas pessoas
A mãe ensinou
para ele que ter uma deficiência não é desculpa
Ela se recusou a colocá-lo
em uma escola para deficientes,
Forrest foi para a escola,
estudou, teve um problema
- Lembro sim.
-
Tem uma cena que a Vovó gosta demais nesse filme,
Corra, Forrest, corra !
E
ele sai correndo, de aparelho e tudo, a caminhonete atrás
- Vó?
- Oi?
- Você está chorando?
-
Não, ..., não querida, é que a vovó esqueceu de pingar o
colírio
- Por que você
gosta tanto dessa cena, Vovó?
- Porque Vovó acha essa cena muito emocionante,
muito alegórica.
- Alê o que?
Riu-se, gostosamente.
- Alegórica. Quer
dizer que ela tem um significado maior
- Na vida, a
gente fica tentando endireitar tudo, minha
Forrest descobre que já está pronto, que pode correr como
Olhou para a neta, que a olhava
fixamente.
- Desculpe, querida, acho que me empolguei um pouco.
- Vó?
-
Oi?
- É para isso que temos medo?
- Acho que sim.
- Temos medo para
tirar as muletas?
- E os aparelhos. E ir para frente.
- Legal. Vó?
-
Fala.
- E a pena?
- É mesmo, já ía me esquecendo... então, eu falei que a
mãe de
Ela ensinou para ele que, na vida,
Deus dá uma série de cartas
- E a pena?
- Já
vai, já vai... a outra pessoa importante na vida de
Juntos, eles foram para a guerra, tiveram um pesqueiro,
Fez um silêncio grave.
- Como assim?
-
Quando você crescer, vai perceber como nosso destino
(Fez um movimento com a mão, simulando a
pena indo e voltando.
A menina acompanhou o movimento com os olhos).
-
Quer dizer que a gente não sabe para onde vai essa pena ?
Trouxe-a para mais
perto.
- A gente não sabe... mas sabe, quando a gente chega na
Mas isso
a gente só descobre depois de passar muito
Qual a
umidade relativa do ar? Qual o peso da pena?
Como o Caos vai comandar a
direção que a pena vai tomar?
Coçou a cabeça, em seu gesto
característico.
- Vó?
- Oi?
- O que acontece quando a gente pára de
tentar adivinhar
-
A gente se deixa levar pelo vento, minha querida.
- Quer dizer que você dá
razão para a mãe e para o amigo do Forrest?
Olhou com uma agradável sensação de
surpresa.
- Isso mesmo! Como você é esperta!
A gente joga da melhor forma que puder, com o máximo
de
- Gostei, gostei muito... sabe, Vó, é tão bom ter
você...
Estremeceu ligeiramente.
-
Não, meu bem... por mais longe que vão nossas penas, nosso
- Tá
bom.
Ficaram num silêncio de fim de conversa.
- Eu vou brincar um pouco,
tá?
- Isso, vai brincar de Forrest Gump.
- Vou correr até cansar.
-
Isso. Vai mesmo.
Mal conseguiu disfarçar a voz embargada de
lágrimas.
Autor: Marco Antonio Spinelli é médico psiquiatra e
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